quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

O Povo Sonho

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Reedição de "Maggie's Farm", Alternative Network Magazine Edição n2 36, 1987

No meio da névoa encoberta das montanhas da Malásia Central, vive o extraordinário senoi - o Povo Sonho. A tribo senoi é uma cultura única e admirável que tem sido um quebra-cabeça para os antropólogos desde os anos 30. É um povo completamente pacífico. Eles não têm sistema nu­mérico, linguagem escrita nem nenhuma tecnologia. Ainda as­sim, entre eles há cientistas surpreendentes com alto nível de sofisticação mental, social e bem-estar emocional.

Esse povo admirável é mestre no que nós, no Ocidente, chamamos de "resolução de conflitos". O segredo deles está ligado, de algum modo, ao fato de que a vida diária senoi ba­seia-se inteiramente em seus sonhos. Apartir do momento em que uma criança senoi pode falar, aprende a sonhar e a proje­tar a vida nos sonhos para dominar as forças que eles revelam.
Os sonhos são a verdadeira inspiração e fé dos senoi, pois eles acreditam que os sonhos revelam a mais profunda realida­de, a "palavra do espírito", da qual os eventos que experimen­tamos se originam.

Os pais senoi encorajam seus filhos a viajar por localidades específicas em seus sonhos - como as florestas que existem na região - para ver se a pesca ou a caça serão boas no dia seguinte.Espera-se que as crianças projetem suas almas além das fronteiras normais, pois eles acreditam que isso as torna carismáticas e fortes. Por outro lado, o medo conduz a alma de uma pessoa para o seu corpo o mais profundamente possível, o que, para os senoi, é uma condição desfavorável, que conduz à doença. Os senoi ensinam suas crianças a soltar os medos re­primidos através dos sonhos, que funcionam como uma "válvu­la emocional segura". Eles acreditam que qualquer coisa expe­rimentada num sonho pode ser usada com vantagem ou desvantagem, desde que o sonhador seja sábio o suficiente para saber usá-Ia.

A educação extensiva do sonho que as crianças senoi re­cebem em seus primeiros anos de vida tem produzido uma so­ciedade na qual os sonhos desempenham uma posição central na interação com os adultos. Eles são seriamente discutidos nos conselhos dos vilarejos, e decisões sobre onde e quando a terra deve ser semeada não são tomadas até que seja permitido sonhar com isso.
Quase toda a arte senoi, incluindo música, dança e deco­ração, é inspirada pelos sonhos, assim como a religião senoi. As crianças são planejadas e têm seu nome escolhido através dos sonhos, que desempenham também um papel importante no diagnóstico e tratamento das doenças. Os jovens encontram suas esposas primeiro em sonhos, e assim que ficam sabendo quem é ela e onde está viajam para encontrar a garota de seus sonhos!

Os senoi são "animistas" que acreditam que tudo na sel­va abundante a seu redor tem uma essência espiritual viva. Eles não vêem a si próprios como geradores de consciência, como nós, no Ocidente, mas sim como "canais" da essência vital, que é muito maior que qualquer indivíduo. A consciência é consi­derada mais importante que tempo, espaço ou matéria. E a base dessa crença é a evidência real dos sonhos, pois eles po­dem, muitas vezes, revelar uma visão do futuro ou um evento muito distante para ser conhecido por meios normais.

Talvez a característica mais impressionante dos senoi seja a timidez. Senoi simplesmente significa "gente", e os antro­pólogos acreditam que eles sejam os últimos remanescentes de uma cultura antiga de uma sociedade sofisticada que se esten­deu por todo o Sudoeste da Ásia, mas foi pressionada para o interior das montanhas devido a invasões de povos agressivos e mais avançados tecnologicamente.Os senoi são pessoas extremamente gentis que abomi­nam a violência e têm um grande orgulho ao dizer: "Nunca sentimos raiva, somente os estrangeiros sentem raiva". Eles evi­tam os estrangeiros e a confrontação, retirando-se para o inte­rior da mata para sonhar.

Como quase nenhuma violência ou crime existe em sua cultura, os senoi nunca tiveram necessidade de criar um siste­ma de autoridade. Qualquer disputa (geralmente em relação às mulheres) é ouvida por um grupo selecionado para julgar o assunto tão rápido quanto possível. A única idéia tradicional de status é o título de "Tohat", ou curador. As crianças senoi não tomam parte em jogos competitivos, mas brigam e brincam como qualquer criança.

Pesquisadores acreditam que o equilíbrio psicológico extraordinário que caracteriza a sociedade senoi se deve ao fato de que as pessoas são criadas para apreciar a força fundamen­tal e psicológica que os sonhos revelam. A falta de conflitos na sociedade senoi é atribuída à sua técnica de dissipação de ten­são social em seus sonhos, que impede que essa tensão se ma­nifeste durante as horas em que estão acordados.

Os senoi são de uma gentileza fora do comum durante as horas em que estão acordados e acreditam que a violência nos sonhos não é ruim, pois matando as imagens que causam o terror eles destroem seu poder de ferir. Dados psicológicos de vários grupos revelam uma habilidade considerável para con­quistar "inimigos fantasmas" e encontrar "tesouros" em seus sonhos.
O adolescente senoi aprende a tocar o "poder" de seus sonhos através do desenvolvimento de relacionamentos pro­fundos, que duram a vida toda, com os "espíritos" que eles encontram em seus sonhos - os Gurag, ou ajudantes dos sonhos, que são considerados professores e dão aos senoi o dom das canções, das danças e dos poderes especiais.

A prática dos sonhos dos senoi funciona a partir do prin­cípio de que, acordados, criamos imagens de pessoas e objetos que vemos ao nosso redor. Através dessa gratidão pelo uso ati­vo do sonho, os senoi estão constantemente conscientes de que, num certo nível do nosso ser, estamos intimamente conectados com todos e com tudo o que conhecemos. Os senoi acreditam que tudo é vivo, reconhecem que o mundo, como o percebemos, está cheio do nosso próprio espírito e enten­dem que todos nós criamos o mundo que experimentamos. Através de seus sonhos, os senoi encontraram um meio de libe­rar o potencial criativo e ter acesso aos tesouros mais profun­dos da alma humana.

“COMUNHÃO INTERIOR” de Sondra Ray, Editora Gente, 1999

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