Nos sonhos, o carma se revela de maneira mais livre e evidente, pois ainda mais nitidamente que na consciência vígil, a mente plástica dá origem a uma realidade co-emergente completa, dotada de todos os atributos de concretude. Nos sonhos, deparamo-nos com nossos desejos e temores íntimos, vividos por meio da linguagem simbólica e mítica que rompe todas as instâncias críticas e auto-supressoras. Estamos diante da estrutura cármica operando de maneira crua e imediata.
Por outro lado, os sonhos também influenciam a vigília, permanecem vivos e operantes após acordarmos.
Se estamos em uma rua e vemos um ônibus vermelho passando, isso pode promover uma súbita mudança de humor, quase imperceptível (que pode vir à consciência através de um mero flash emocional ou pensamento fugidio). Se estivermos atentos ao mundo dos sonhos, podemos perceber que essa alteração se deveu a um sonho tido naquela noite, em que o ônibus vermelho esteve associado a uma situação onírica de perigo e medo.
Mas é possível que sequer lembremos de ter sonhado na noite anterior.
Nesse caso, o medo súbito que nos acometeu de modo sutil poderá, ao invés, ser associado ao compromisso que tínhamos naquele instante – ou a outro pensamento, ou recordação daquele momento, por exemplo, um encontro com o namorado ou ao dentista. Essa nova associação medo=>namorado ou dentista dará, por sua vez, origem a uma nova corrente cármica, tanto faz se pela simples associação (por exemplo, o consultório do dentista é “lido” como um ambiente negativo; maus presságios, pensamentos negativos sobre o dentista etc) ou se a associação culmina efetivamente em uma nova ação, por exemplo, briga com o namorado: sonho => medo => dentista => pensamentos e emoções negativas => ação.
O sonho nada teve a ver com o dentista, porém a mente influenciada pelo sonho promoveu uma nova re-significação da realidade circundante; isso, por sua vez, dará origem a novas associações. Por exemplo, toda vez que ir ao dentista sentirei um pouco de medo ou me ocorrerão novos pensamentos negativos; ou me lembrarei (por um flash quase inconsciente) da briga que tive com meu namorado sempre que passar naquela rua, o que produzirá no futuro novas sensações e pensamentos negativos relacionados à rua; e isso poderá produzir uma discussão com o dono da banca de jornal que fica naquela esquina... e, por conta disso, passarei a ter uma visão cética acerca da revista que costumava comprar ali etc; isso talvez dê causa a outros sonhos – por exemplo, sonho que o dono da banca está saindo com minha namorada ou que está tentando matar meu dentista etc - e a corrente ganhará nova vida, dando origem a outros efeitos.
Isso ocorre incessantemente durante todos os nossos dias.
Os sonhos não mentem: eles revelam com toda a crueza nosso modo de estar e de nos sentir no mundo e, portanto, perante nós mesmos. Eles nos trazem a nossa temática íntima, nossas interrogações mais viscerais, nossos paradigmas. Se costumo sonhar que estou em um labirinto ou em uma viagem; conduzindo um veículo ou se costumo sonhar estar sendo perseguido; se tenho sonhos recorrentes e pesadelos que se repetem, a própria estrutura de tais sonhos me revela a estrutura de meu modo de ser e me sentir diante da vida. Em outra linguagem, podemos captar a energia e a sensação básica que trazem os sonhos. É como se a atmosfera do sonho – tomado como um todo - nos revelasse a nossa própria personalidade, a sua indagação e sua problemática.
Nos SL, temos a oportunidade de identificar e integrar tais energias operando vivamente em nosso “eu”, liberando pulsões internas recôndidas.
A atuação dos SL sobre nossa personalidade pode ser traduzida de duas maneiras:
1) através da identificação e superação de nossos bloqueios emocionais e mentais, nosso complexo de crenças, nossa auto-limitação, enfim, tudo aquilo que negativamente compõe a nossa auto-imagem;
2) através de um programa positivo, ou seja, podemos nos transformar em tudo aquilo que quisermos ser e operar em um outro patamar de motivações e valores:
Em estado transpessoal você pode ser qualquer tipo de experiência, entre ficar com o ego - a identidade- até o princípio criador. Podemos nos experienciar como seres mitológicos ou em níveis mitológicos de consciência - onde o ser humano é definido como um campo de possibilidades sem limites." (Grof, 2000).
Por tudo isso a lucidez onírica é importante, pois ao atingirmos o estado lúcido durante o sonho, poderemos enfrentar e superar os problemas íntimos mais profundos ainda enquanto estivermos dentro do contexto inconsciente e enquanto o enredo cármico se desenrola, vindo mesmo a nos deparar com os condicionamentos que formam nossa personalidade.
O que se busca em um SL, portanto, não é o mero gozo ou a simples interrupção da experiência onírica, seja ela prazerosa ou não, mas um legítimo resgate da liberdade. É a oportunidade para integrarmos o eu e reconciliar os polos cindidos da consciência ordinária dual.