segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Sobre sonhos...(9) - "Apagão Consciencial"

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Pintura de René Magritte
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O texto que se segue foi escrito há algumas semanas. Após muitas reticências de minha parte, decidi publicá-lo neste Blog, inspirado pelo texto de nosso amigo e colaborador, o escritor Otávio Aquino.

Surpreendi-me (positivamente) ao ver que Otávio Aquino tenha mencionado, com muita propriedade, a fase denominada por ele de "apagão consciencial". Se estamos falando da mesma coisa, creio que o "apagão consciencial" constitui um "estado intermediário", localizado, se assim podemos dizer, entre dois momentos : entre o momento em que a mente perde todos os seus referenciais (sentidos, racionalidade, percepção) e aquele em que as imagens oníricas começam a se formar. Ocorre uma espécie de vácuo da consciência, porém, embora esteja próximo de um desmaio, o sonhador atento percebe o que ocorreu e mantém sua lucidez. É como se tudo o que pensamos, sentimos e percebemos fosse um "filme" e esse "apagão" constituisse o momento em que "o filme" acaba, as luzes do "cinema" conservam-se apagadas e o novo "filme" ainda não começou.
Penso que tal momento, muitíssimo fugaz e de difícilima percepção, é muito importante e pode nos revelar insights, sendo ele próprio, talvez, mais importante que o próprio sonho.
Em postagem mais antiga (vide "Sobre sonhos...(7)"), já havia mencionado esse estado, porém, até então, não me havia dado realmente conta de sua importância. Ou melhor, já havia percebido, porém não experimentado com tanta nitidez. O texto que se segue trata exatamente desse processo, relatando a experiência mais prolongada que vivi nesse "estado". Posteriormente, em outras ocasiões, e mesmo recentemente, tive a oportunidade de vivenciar tal experiência, geralmente durante a meditação estabilizadora ou logo após esta, quando procuro prolongar a lucidez no estado hipnagógico.

O final do texto foi suprimido por razões pessoais, pois esse teve como propósito buscar aconselhamento junto a alguns mestres.


Apagão Consciencial

No último sábado, 21/06/08, acordei muito cedo, por volta das 05:00 hs um pouco perturbado e estressado por problemas mundanos. Resolvi então tentar dormir mais um pouco, procurando relaxar ao máximo minha mente, entrando em um processo de meditação, em que tentava me desapegar dos pensamentos ao mesmo tempo em que buscava um grau máximo de relaxamento. Trata-se de uma prática de meditação na qual procuro associar uma clara atenção – livre ao máximo de pensamentos ou outras perturbações que possam desviar a própria atenção, levando-me quase a uma "atenção pura" a um "puro estar" – com um relaxamento cada vez mais profundo. A atenção parece que vai aumentando à medida em que me aproximo de um estado intermediário entre sono e vigília.

Nesse instante aconteceu algo muito intenso e instigante.

Repentinamente, uma escuridão desabou e todas as sensações, pensamentos, percepções e emoções subitamente sumiram, atingindo inclusive o propósito ou o esforço meditativo – como se a própria meditação desabasse. Ao mesmo tempo, uma espécie de onda de choque atravessou-me de ponta a ponta. Essa experiência – que nem posso afirmar se foi boa ou ruim naquele instante, pois parecia que eu mesmo havia desaparecido – assemelhou-se a um desmaio, com a diferença de que permaneci lúcido, sabendo o que havia ocorrido. Durou talvez dois segundos, se bem que é difícil mensurar o tempo nessas situações.

Um pouco assustado, virei-me de lado, e entrei novamente em meditação, dessa vez buscando repetir a experiência. E, novamente, quando me aproximava de um relaxamento bem profundo – aproximando-me do estado intermediário entre vigília e sono, porém sem perder a atenção clara -, senti uma espécie de vertigem e a sensação de que todo meu corpo e mente caíam de um trampolim. Novamente, por apenas um instante e muito repentinamente, a vista escureceu e essa sensação de “nada” me atingiu, como uma bomba atômica eliminando tudo. Dessa vez, entretanto, não senti choque algum, creio que essa segunda vez foi um pouco menos intensa ou prolongada que a primeira.

Depois disso, finalmente consegui dormir, bastante relaxado. Depois de cerca de 2 horas de sono, levantei-me e passei todo o dia completamente livre do stress, com a cabeça meio “flutuante”, leve, uma sensação quase física. E até o dia de hoje, parece que preocupação alguma me abate. A sensação que se seguiu, portanto, é de um profundo relaxamento, tal como aquela que sentimos após uma prática de exercícios físicos ou mesmo de um orgasmo.

Devo dizer que é a quarta vez que isso acontece – a primeira, há algumas semanas -, porém, nas outras ocasiões, a sensação não foi tão intensa, nítida, prolongada e jamais havia sentido ondas de choque em meu corpo, nem, ao que me lembro, a sensação de “leveza” havia perdurado por tantos dias.

Talvez seja interessante observar que venho praticando meditação com regularidade, o que acabou redundando também em uma prática de sonhos lúcidos.


(...)

3 comentários:

Richard Hermeticum disse...

Olá Jholland, vou partilhar contigo, em jeito de retribuição pelo teu artigo, algo que passou-se comigo há cerca de dois anos e meio.
Nessa altura fazia exercicios de meditação cerca de duas horas por dia, ou seja, andava completamente "on fire" nestas coisas.
Basicamente o exercicio principal que fazia era bastante simples (em aparência): deitado na minha cama, focava a atenção de forma o mais contínua possível num furo que tinha no tecto. A principio era praticamente impossível parar o caudal de pensamentos mas, com alguma prática e dedicação, a coisa foi mudando de rumo.
A experiência em si é muito idêntica ao que relataste neste post, pelo que foi "passar à frente", indo directamente para as consequências do exercicio.
A primeira, mas não a mais marcante, foi uma OBE expontanea. Vi-me fora do corpo, com a nitida sensação que estava a flutuar. A sensação de leveza e paz foram absolutamente fora do normal, mas o mais marcante foi que conseguia pensar tão rápido e não tinha capacidade sequer de ouvir os meus próprios pensamentos. Quando decidi voltar a mim, estive dois dias com uma sensação de paz interior que toda a gente notava e comentava. Esta experiencia permanece por explicar.
A segunda "consequência" aconteceu-me quatro vezes na mesma semana, e consistiu no seguinte: ao conduzir normalmente tinha um flash curtissimo do que estava prestes a acontecer e, quando acontecia, era exactamente igual ao que tinha "visto" segundos antes.
Por exemplo, lembro-me de ir a conduzir de noite e ter um flash em que o local eram poucos metros à frente, em que um coelho castanho ia atravessar a estrada, da direita para a esquerda. Passados segundos aconteceu exactamente o que tinha "visto". O coelho era igual e atravessou a estrada exactamente da mesma maneira e no mesmo sitio que tinha visto.
Confiei tanto nessas "visões" que, nas próximas, já conduzia à cautela para tentar evitar ao máximo a situação.

E pronto, fica aqui mais um depoimento em primeira mão. :)

jholland disse...

Fascinante seu relato!

É bastante plausível - e até provável - que a prática de nos lançarmos em direção às fornteiras do Ego redunde em alguns tipos de Siddhis.

Transcrevo abaixo um trecho da postagem "Mahamudra" do Blog Metamórficus (http://metamorficus.blogspot.com/2008/06/mahamudra.html):

"QUIESCÊNCIA OU TRANQÜILIDADE

Qual é o benefício de repousar pacificamente, permitindo que a mente permaneça estável, em um estado natural de imobilidade? Até que você seja capaz de desenvolver a quiescência, não será capaz de controlar ou suprimir os impulsos mentais confusos. Eles continuarão a surgir e controlar a mente. A única forma de lidar com eles e por um fim nisso é atingir a quiescência. Uma vez que seja atingida, todas as outras qualidades espirituais surgirão desta base, tais como conhecimento transcendental, clarividência, a habilidade de ver a mente dos outros, recordar o passado, e assim por diante. Estas são qualidades mundanas que surgem no caminho mas são desenvolvidas apenas após a mente ser capaz de repousar pacificamente. Qualidades tais como consciência aguçada e clarividência precisam ser desenvolvidas, porque é através delas que alguém se torna capaz de compreender e vivenciar a natureza fundamental da mente. Como é dito no Bhodhicaryavatara, um dos mais importantes textos mahaiana, “tendo desenvolvido entusiasmo desta forma, eu concentro a minha mente; pois aquele cuja mente é desatenta, está sujeito às aflições mentais”.


Em todo o caso, a superação de nossos condicionamentos exige mesmo dedicação e energia, persistência e firme propósito, sobretudo.

Vamos em frente !

Richard Hermeticum disse...

Acredito profundamente que o texto que transcreveste é verdadeiro.
Ainda há uns meses tinha o habito de ir tomar café de manhã com dois colegas de trabalho. Então, basicamente, estavam os dois a "meterem-se" com a mulher do balcão, tentando saber - de várias formas - de onde era a mulher. Perguntaram se ela da cidade em que estavamos, dos arredores, etc, mas ela simplesmente não respondia.
Lembro-me que naquele momento estava bastante presente e não tinha a menor vontade de saber de onde a mulher era. Nisto, instantaneamente, tive a certeza de onde ela morava (e ainda ficava sensivelmente a 30km dali, o que racionalmente era improvavel, ainda por cima dada a precaridade do emprego dela). Tive tanta certeza de onde ela morava que nem senti necessidade de perguntar-lhe.
Depois de muito insistirem ela lá disse onde morava e, sem qualquer espanto, era exactamente onde eu tinha pressentido.
Nota: considero que não fiz nada de especial. Simplesmente ela deve ter pensado onde morava e eu, por estar calmo como um lago ao luar, ouvi. Nada mais.

Enfim, coisas da vida. :)