Parte 4 - Sonhos e o bardo da morte
No Budismo Tibetano, encontramos o termo “bardo” para designar os estados intermediários da existência. Esta palavra tibetana quer dizer “transição” ou “Intermédio”. Tecnicamente falando, os textos budistas reconhecem quatro ou seis tipos de bardo, segundo as linhagens. Não há um bardo que seja mais verdadeiro que os outros, logo todos eles são “transitórios” ou “intermediários”.
Costuma-se dizer que o que experimentamos no sono e nos sonhos guarda semelhança com o que experimentamos nos estados de morte e pós-morte; nestes últimos, entretanto, de forma 20 vezes mais intensa que naqueles.
Ken Wilber:
Num certo sentido, a experiência do morrer e a experiência de quase morte (EQM) experimentadas por muitas pessoas e descritas em muitos textos são, na verdade, muito divertidas: relata-se universalmente que, uma vez superado o pavor de morrer, o processo passa a ser pleno de felicidade, de paz e de eventos extraordinários. Tendo-se porém completado a "subida", começa a "descida", ou bardo - e aí é que entra a dificuldade. Porque, ao chegar neste ponto, todas as nossas inclinações cármicas, todos os nossos apegos, desejos e medos aparecem realmente bem diante de nossos olhos, por assim dizer, como num sonho, pois o bardo da morte é uma dimensão puramente mental ou sutil, semelhante a um sonho, na qual tudo o que pensamos surge imediatamente como uma realidade.
Dessa forma, a manutenção da consciência desperta e mesmo o controle da mente quando entramos em sono e durante o sonho (SL) servirá como uma espécie de treinamento para a própria morte, pois podemos obter domínio completo no processo de renascimento pós-morte.
Sonhos e a meditação
Agora fica mais fácil compreender porque as práticas meditativas facilitam o desenvolvimento dos SL - e vice-versa. Como dissemos acima, nos SL exercitamos independência e autonomia frente aos estímulos oníricos, todos eles derivados de nossas pulsões, desejos, temores etc. Ora, a maioria das práticas meditativas procura estabelecer exatamente esse tipo de independência, principiando por exercícios de estabilização da mente e a mera (porém constante) observação dos pensamentos, sensações e emoções (não identificação / desapego). A estabilização da mente – assim como os exercícios de criação autônoma de estados mentais específicos, bem como visualizações, utilizados em muitas práticas meditativas – são inteiramente compatíveis com as práticas de SL.
Na verdade, podemos mesmo considerar que os SL são uma espécie de meditação.
Os SL e a meditação possibilitam um resgate de nossa própria liberdade frente aos condicionamentos impostos por nossa personalidade e auto-imagem adquiridas.
Nas palavras de Ken Wilber:
Toda forma de meditação é, basicamente, uma maneira de transcender o ego, ou de morrer para o ego. Neste sentido, ela imita a morte - isto é, a morte do ego. Quando progride razoavelmente bem num sistema qualquer de meditação, o indivíduo pode atingir um ponto em que, tendo "testemunhado" de maneira tão exaustiva a mente e o corpo, ele realmente se ergue acima da mente e do corpo, isto é, os transcende; "morre", assim para eles, para o ego, e desperta como alma sutil, ou mesmo espírito. E isto é efetivamente vivenciado como uma morte. No zen, é chamado de Grande Morte. Pode ser uma experiência bastante fácil, uma transcendência relativamente tranqüila do dualismo sujeito-objeto, mas também pode ser aterrorizante por abranger vários tipos de morte. Porém, sutil ou dramaticamente, rápida ou lentamente, morre ou se dissolve o sentido de que se é um eu separado, e o indivíduo encontra uma identidade primaz e mais elevada no (e enquanto) espírito universal.
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